domingo, 5 de junho de 2011

A tradição está nos bairros

Quadrilhas se apresentam em Fortaleza durante os meses de junho e julho. Ao todo, 96 projetos foram contemplados, sendo 72 grupos de quadrilha e 24 festivais

Conjunto Ceará, José Walter, Pan Americano e Messejana recebem festas que lembram arraiás interioranos

Aberta a temporada de festas juninas, Fortaleza já começa a receber as quadrilhas, o som da sanfona, da zabumba e do triângulo, as fogueiras e as bandeirolas. Com a chegada do mês de junho, é época de celebrar São João, Santo Antônio e São Pedro, santos católicos mais populares. Apesar de espalhados por toda a cidade, os festejos são mais tradicionais nos bairros.

O pesquisador Cristiano Câmara lembra que nesses locais ainda existe a valorização da cultura popular. "Ainda se preservam certos costumes que no Centro da cidade não há mais". No Nordeste e no Ceará ainda há a preservação das tradições que em outras localidades do País estão se perdendo.

De acordo com Cristiano Câmara, com a industrialização, o São João ficou muito massificado. "As quadrilhas, hoje, dançam com saias caricaturais. O balão passou a ser proibido e com a advento do asfalto as fogueiras não são mais acesas". Além disso, o especialista coloca que a festa não tem mais músicas próprias compostas pelos grandes compositores, como era antigamente.

Já no Ceará, o pesquisador acrescenta que, com exceção dos bairros, a valorização da cultura popular se perdeu na Capital. "No Interior, ainda vemos a tradição viva", destaca. Para ele, houve uma erotização da festa.
O pesquisador Miguel Angelo de Azevedo explica que os festejos juninos, apesar de terem sido importados da Europa, ao chegarem ao Brasil assumiram características do local. "Com o tempo o estilo foi mudando, já que o folclore é dinâmico". Ele conta que a celebração a São João era a mais importante, tanto assim que os festejos era denominados de joaninos. "Embora a cultura esteja diluída, ainda existe tradição. E é importante mantê-la porque é a identidade do povo".

Nos bairros de Fortaleza, os moradores se engajam na produção dos festejos juninos. As comunidades se preparam durante os meses que antecedem o São João para receber a festa. Seja confeccionando os trajes caipiras, seja pensando nos detalhes. Além disso, existe a preocupação de fazer um São João a caráter. As quadrilhas com seus casamentos matutos, barracas para venda de comidas e bebidas típicas, ornamentação e muito forró pé-de-serra, reforçando as raízes interioranas e nordestinas.

No Conjunto Ceará, por exemplo, o Arraiá Luiz Gonzaga acontece há 32 anos. De acordo com o coordenador do evento, Marcos Rodrigues, a festa ajuda a manter as lembranças das raízes culturais e históricas, a partir da difusão de usos e costumes dos moradores os quais boa parte é oriunda do Interior. "Tanto assim que procuramos fazer com que as bandas cantem o menos possível de forró romântico. Optamos pelo forró pé-de-serra", revela Rodrigues.

O Arraiá Luiz Gonzaga terá início no dia 9 de junho se estendendo até o dia 19 de junho, com apresentação de 20 bandas de forró e de quadrilhas. Nos últimos anos, a festa vem sendo promovida pela FM 93.

Já no José Walter, o Arraiá da Cumade Chica é bem tradicional. Realizada há 38 anos, a festa já faz parte do calendário dos festejos juninos da Capital e mantém as características de um arraiá legítimo. Barracas de comidas típicas, bandeirolas, cidade cenográfica, quadrilhas, muito forró e até pau de sebo fazem parte do evento. O bairro se prepara o ano todo para receber a festa. Em 2011, o Arraiá da Cumade Chica acontece de 23 de junho a 2 de julho.

A comunidade do Conjunto Habitacional Maria Tomásia também terá festa junina com quadrilha de perna de pau. O Circo Calango, Saúde e Alegria realiza um projeto com 24 crianças, entre 10 e 14 anos. Uma forma de proporcionar um São João para a comunidade e também de ocupar meninos e meninas.

"O trabalho com perna de pau tem uma função pedagógica, além de mexer com a psicomotricidade, com a auto confiança e com a auto estima. Tudo é feito dentro do encanto", explica o integrante do Circo e coordenador do projeto, Gaudêncio Siqueira.

A quadrilha foge um pouco das tradições, mas o resultado final é bonito de se ver e envolvente para as crianças. Isso porque traz os passos de uma dança normal, sem o casamento matuto, com a realização de acrobacias típicas da arte circense, como malabares e swing de fogo. A festa ocorre no fim de junho.

"Estamos retomando a alegria para pessoas que viviam em áreas de risco. É um momento de convívio da comunidade. É inusitado trazer perna de pau para essas crianças que participam com interesse". Ariele Castro, de seis anos, não falta aos ensaios. Para participar, ela se empenhou e hoje faz parte da comissão de frente da quadrilha. A mãe de Ariele, Leilian Ferreira Castro, que está confeccionando as roupas para a festa, afirma que o projeto é muito bom porque é um incentivo para as crianças.

Dedicação Paulo Vitor da Silva, de oito anos, conta que aprendeu muitas coisas com o projeto, como a ter dedicação para poder aprender os passos se equilibrando na perna de pau. A primeira quadrilha de perna de pau foi realizada, em Fortaleza, em 1988, na Praça José de Alencar. Depois, a cidade viu acontecer a dança em outros momentos.

Nos quatro cantos de Fortaleza, festas celebrarão os santos de junho. Ao todo, 96 projetos foram contemplados para a realização do São João de Fortaleza, sendo 72 grupos de quadrilha e 24 festivais. No Estado, são 20 quadrilhas e 58 grupos.

Em paralelo, a Prefeitura realiza o Arraiá de Fortaleza, que até 2010 ocupou a Praça do Ferreira, e a partir deste ano se muda para o Mercado dos Pinhões. Lá acontecem apresentações de quadrilhas, folguedos, danças populares e forró.

Fique por dentro Origem dos festejos de junho As festas juninas surgiram com o intuito de afugentar os maus espíritos, daí a utilização de fogueiras e queimas de fogos. Elas começaram nos campos e plantações, originando os trajes típicos de caipiras e sinhazinhas, com casamento na roça.

Com o passar do tempo, as festividades foram tomando um cunho religioso. Pela tradição, a festa junina consiste em celebrar os bons resultados da colheita.

A tradição de comemorar o Dia de São João veio de Portugal. A festa foi trazida ao Brasil e logo inserida aos costumes das populações indígenas e afro-brasileiras. A quadrilha teve origem na Inglaterra, por volta dos séculos XIII e XIV, mas foi assimilada pela França. No Brasil, a dança foi introduzida no início do século XIX, com a vinda da Corte Real Portuguesa e com missões culturais francesas.

São joão em números 700 quadrilhas se apresentam no Ceará atualmente, o que representa 25% do total de grupos juninos que participam de festivais no Nordeste. Há festas espalhadas por todo o Estado.

45 mil reais é o valor que os festejos juninos injetam no Ceará. As festas envolvem 35 mil brincantes e 72 mil colaboradores. O São João do Nordeste gera, anualmente, R$ 170 milhões.
LINA MOSCOSO
REPÓRTER
(FONTE: Diario do Nordeste)

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